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É possível aceitar a morte? Uma reflexão sobre a finitude humana em tempos de pandemia.

O que nos é conhecido sobre a morte é que ela é simplesmente um fim e nada mais. E se trata de uma conclusão que se coloca muitas vezes antes mesmo de terminar o período, sendo que no final só existem recordações e efeitos subsequentes, nos outros. Em oposição a morte, a vida se mostra como um fluir constante, “como a marcha de um relógio a que se deu corda e cuja parada afinal é automaticamente esperada” (JUNG, 2011).


Quando um jovem possui medo do mundo, da vida e do futuro, todos o vêm como covarde e consideram isto como irracional, lamentável e neurótico. No entanto, se um homem que está em seu processo de envelhecimento sente pavor, ou até mesmo temor mortal de que suas expectativas de vida são apenas de poucos anos, isto nos remete aos sentimentos que trazemos dentro de nós e a tendência que temos é de desviar o assunto. Da mesma forma que existem jovens que, no fundo, tem um medo da vida (que eles ao mesmo tempo desejam grandemente), também existe um número, talvez ainda maior, de pessoas idosas que tem o mesmo medo em relação a morte (JUNG, 2011).


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Podemos dizer que o que caracteriza a existência humana é a morte e ela está sempre presente com todas as possibilidades, determinando toda a natureza e toda a existência. Frequentemente os seres humanos tendem a afastar de si a consciência de sua própria finitude, isso ocorre porque em nossa cultura tudo que diz respeito à morte, tende a ser evitado e é algo muito desconfortável de ser visto, pensado e falado (CARVALHO, 2011).


Para Kovács (2011), ao longo do tempo o homem vem tentando e desafiando a morte. Vencer a morte e alcançar a imortalidade sempre foi o anseio da humanidade. Todos os seres vivos nascem e morrem. O que nos diferencia dos demais seres vivos, contudo, é a consciência de ser mortal, consciência de nossa própria finitude. Por outro lado, Roazzi et.al., (2010) definem a morte sobre um viés secular biológica. É a morte arquitetada como um ponto terminal, quando a máquina corporal para de trabalhar. Para Freitas et. al., (2015), a morte é colocada como algo irreparável, irreversível, impositivo e imutável. É um estado em que não se consegue mudar, nem reverter, ela chegará independente da escolha ou da vontade do ser humano.


O filósofo existencialista Heidegger (1991) considera que o homem é um ser-para-a-morte, pois vive a autenticidade do sentido da existência. Para ele, apesar da morte ser uma certeza, ela não pode ser experimentada diretamente, já que, para isso, seria necessário morrer. Trata-se do fim do tempo e não de um acontecimento no tempo e, na verdade, é vivida na experiência que temos da morte do outro. Heidegger, ainda salienta que ser-para-a-morte possui um sentimento da angústia, um movimento de inquietação produzido pela percepção da terminalidade, da finitude, que nos causa a sensação de completo desamparo. Essa sensação seria produto do ser-no-mundo angustiado pela realidade da finitude e da existência e, mais que isso, da impossibilidade dela.


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Os avanços da ciência e da tecnologia, principalmente no campo da medicina, ampliam a possibilidade de cura de doenças e enfermidades. A morte real também pode ser mascarada pela tecnologia, mantendo a sobrevivência de pacientes em estado vegetativo. Percebe-se uma grande dificuldade de encarar a morte como parte da vida e

como algo que dá sentido à vida, ou seja, as pessoas vêm a morte como um determinante, buscando chegar em lugares durante a vida e fazer coisas antes que ela ocorra (CECCON, 2017). Nesse sentido, nos parece até viável refletir a respeito do que Jung (2011) diz ao “considerar a morte como a realização plena do sentido da vida e sua verdadeira meta, em vez de uma mera cessão sem sentido, corresponde melhor à psique coletiva da humanidade”.


Apesar de ser a maior certeza em vida que o ser humano tem, a morte e as perdas chegam a todos e são situações que trazem dores e sofrimentos. A melhor forma de encarar a morte não é fugindo do tema. A melhor forma de enfrentar é saber que ela existe e faz parte da condição humana. Ceccon (2017), aponta que “valorizar a vida, com suas contradições e limites, sem negar a morte como finitude e horizonte último da existência, pode ser uma forma autêntica de ser no mundo”.

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Em seu livro “Um Jeito de Ser”, Rogers (1987) já aos 78 anos de vida se deparou com a angústia da finitude da vida após o falecimento de sua esposa. Ele considera “a morte como uma abertura para a experiência” ao dizer:


“Gosto da analogia do indivíduo com um rio que corre, com o passar do tempo, em direção às águas do mar e abandona seu leito lamacento ao atingir o mar ilimitado. Assim, considero a morte como uma abertura para a experiência. Ela será o que tiver que ser, e estou certo de que a aceitarei, quer ela seja um fim, quer uma continuação da vida" (ROGERS, 1987, p. 37).

A psicologia é uma ciência que com seus métodos e abordagens distintas, contribui para que o indivíduo possa enfrentar situações complexas como o luto e a aceitação de sua própria finitude (CECCON, 2017). O papel do psicólogo nesse ponto é o de auxiliar o indivíduo a buscar um sentido para sua vida, por meio das condições facilitadoras, respeitando sempre a vontade deste indivíduo.


Rogers (1974), afirma que a terapia, em sua essência, é um encontro de duas pessoas, no qual o terapeuta se mostra aberto livremente e evidencia isto talvez mais completamente, quando ele pode livre e com receptividade entrar no mundo do outro. O

cliente se sente confirmado para experienciar suas mais diversas emoções e se mostrar mais aberto a suas experiências, permitindo viver simbolicamente em função de todas as possibilidades. Tornando-se, por fim, uma pessoa humana autônoma capaz de ser o que é e de escolher seu caminho. Este é o resultado da terapia.


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Apropriar-se da angústia nos permite transcender sobre o mundo e sobre nós mesmo, além de nos permitir retomar nosso projeto essencial. Tomar consciência de que somos-para-a-morte, segundo Heidegger (1991), nos abre um caminho para ir além da angústia e retomar o destino em nossas próprias mãos. Nesse sentido, podemos compreender, portanto, que a morte é um evento natural, inerente a todos os seres vivos, e ela compreende o ser humano como um ser de potencialidades (LIMA, et al., 2018).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CECCON, Neila Jucilene. A morte e o luto na perspectiva da psicologia humanista. Anais do EVINCI-UniBrasil, v. 3, n. 2, p. 883-899, 2017.

FREITAS, J. L. et al. Eu sem tu: uma leitura existencial do luto em psicologia. Mães em luto: a dor e suas repercussões existenciais e psicanalíticas, p. 15-24, 2015.

JUNG, Carl Gustav. A natureza da psique. Editora Vozes Limitada, 2011.

KOVÁCS, Maria Júlia. A morte em vida. Vida e morte: laços da existência, p. 11-33, 1996.

ROAZZI, Maira Monteiro; DIAS, Maria da Graça Bompastor Borges; ROAZZI, Antonio. Mais ou menos morto: Explorações sobre a formação do conceito de morte em crianças. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 23, n. 3, p. 485-495, 2010.

ROGERS, C. Duas tendências divergentes. Psicologia Existencial. Tradução EP Xavier. Porto Alegre: Ed. Globo, 1974.

ROGERS, C. R. Um jeito de ser. 4a. reimpressao. São Paulo: EPU, 1987.

HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos (Os Pensadores). Tradução e notas Ernildo Stein. São Paulo: Nova Cultural, 1991.

LIMA, CAROLINA et al. A abordagem centrada na pessoa e o luto após o suicídio. TCC-Psicologia, 2018.


SOBRE A AUTORA

Sthefani Ribeiro, discente do último ano em psicologia pela Universidade Nove de Julho, interessada por psicanálise e psicologia humanista, contribui como autora da Liga Acadêmica de Psicanálise e Psicopatologia da Universidade Nove de Julho.


 
 
 

1 comentário


André Ribeiro
André Ribeiro
13 de jun. de 2020

Ótima reflexão da existência do indivíduo humano.

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