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Por que a luta antimanicomial se faz necessária? - 18 de Maio, Dia Nacional da Luta Antimanicomial

Atualizado: 22 de mai. de 2020

O início do movimento antimanicomial começou em 1961, quando Franco Basaglia se defrontava com a miséria humana criada pelas condições do Hospital Psiquiátrico de Gorizia. Ao assumir a direção do hospital, notou que eram necessárias transformações drásticas no modelo da interação psiquiatra-paciente e na relação entre sociedade e loucura.

Basaglia criticava a postura da psiquiatria clássica e hospitalar por ser excludente e repressora. Basaglia, então, formulou a “negação da psiquiatria”, inspirado pelo filósofo francês Michel Foucault e sua obra “História da Loucura na Idade Clássica”. Basaglia considerava que apenas a psiquiatria não era capaz de dar conta do fenômeno complexo que é a loucura e suas facetas, pois o sujeito considerado louco possui necessidades que a psiquiatria não daria conta.

Basaglia denunciou tudo o que sobrepunha à doença propriamente dita, como resultado do processo de institucionalização a que eram submetidas as pessoas no manicômio. Iniciou o processo de fechamento do Hospital Provincial na cidade de Trieste, em 1970, quando foi nomeado diretor do mesmo, para promover a substituição do tratamento manicomial por uma rede territorial de atendimento.

Em 1973, o Serviço Psiquiátrico de Trieste se tornou principal referência mundial para uma reformulação da assistência em saúde mental, credenciado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Desta maneira, após o fechamento do hospital psiquiátrico de Trieste, a assistência em saúde mental passou a ser exercida em sua totalidade na rede territorial montada por Franco Basaglia.

Em 1980 a “Lei Basaglia”, uma lei da reforma psiquiátrica italiana, foi aprovada. Ao vir para o Brasil, Basaglia, em seus seminários e conferências, inspirou e influenciou o movimento antimanicomial no país.


A luta antimanicomial no Brasil, em sua essência, nasce no contexto da abertura do Regime Militar em 1976, onde surgem as primeiras manifestações em prol da saúde mental. Tudo isto acontece através da constituição do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e do movimento de Renovação Médica (REME) e assim surge o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental que protestou e fez críticas à cronificação do manicômio e ao uso do eletrochoque. Em 1987, o ano em que ocorreu a I Conferência Nacional de Saúde Mental e o II Congresso Nacional do MTSM, se constituiu um movimento mais amplo, na medida em que atuantes de outras áreas e trabalhadores se incorporam à luta pela transformação das práticas da psiquiatria. Este momento é um marco, onde houve uma renovação política e teórica do MTSM e as entidades de usuários e familiares passaram a participar das discussões de maneira que toda a luta contra a prática manicomial foi ganhando mais força. Desta maneira, a luta começou e a sua causa era a conquista de uma sociedade sem manicômios.


Segundo Luchmann (2007), a partir disto, surge a Articulação Nacional da Luta Antimanicomial que é um modo político peculiar de organização da sociedade em prol de uma causa; um conjunto de práticas vigentes em pontos diversos do país; um enfrentamento que põe em questão poderes e privilégios e a visão de uma sociedade livre de manicômios.


OS TRATAMENTOS EM SAÚDE MENTAL NO MODELO MANICOMIAL


A luta antimanicomial é a luta pelos Direitos Humanos dos chamados “loucos”. Deveriam as psicoses e neuroses atravessar os Direitos Humanos de cada indivíduo? O sujeito portador de transtorno mental internado em um manicômio é um homem cujo os direitos foram tomados e ele fora submetido à exclusão. Os tratamentos oferecidos no modelo manicomial são violentos e abusivos.


Segundo Guimarães (2013), as convulsões causadas por cardiazol eram rápidas e violentas. Portanto, também eram difíceis de controlar. Algumas vezes a violência era tão intensa que os pacientes sofriam fraturas espinhais.

Alguns tratamentos, tais como as convulsões ocasionadas pelo cardiazol, feriam severamente as pessoas que eram submetidas à estes procedimentos feitos sem consentimento. Uma fratura espinhal pode causar perda permanente de força, perda de sensação, disfunção das pernas, disfunção dos braços, perda de controle da capacidade de urinar e defecar e perda da função sexual.



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De acordo com Guimarães (2013), na ECT o paciente era amarrado na cama, uma borracha era colocada em sua boca para ele não mordesse a língua, apertavam um botão e ele convulsionava na hora. Era algo extremamente nocivo para o paciente. Na segunda ou terceira aplicação do eletrochoque, o paciente tinha de ser pego à força. O eletrochoque também era usado como castigo. Alguns pacientes eram cronificados, perdiam a capacidade de reação e ficavam com sequelas. A administração do eletrochoque era feita com a pessoa acordada. Não havia anestesia e muitas vezes era usada como método de tortura.


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Conforme Guimarães (2013), a praxiterapia era uma condição imposta para os pacientes, abandonando o uso terapêutico e visando a produtividade. Pacientes eram açoitados, assemelhando-os a escravos.

Aquilo que deveria ser terapêutico para o paciente se transformava em mais uma forma de agressão e abuso. Uma pessoa portadora de doenças psicológicas também possui sentimentos, pensamentos, ideias e ideais. Ou seja, não deixa de ser uma pessoa que merece não ter seus direitos violados e merece respeito e dignidade. Sabemos que lidar com pacientes exige paciência e persistência, mas tudo sempre deve vir acompanhado de respeito pelo ser humano e principalmente de nossa ética como profissionais.


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Citando novamente Guimarães (2013), o uso da camisa de força resultava em pacientes que caiam e se machucavam ao ponto de ser necessário por vezes fazer suturas. Além disto, este tipo de contenção não evitava por completo que a pessoa agredisse os outros, pois como as pernas permaneciam livres, elas poderiam ser usadas. Quanto ao lençol de contenção, por conter correias e ser confeccionado em lona grossa, era incômodo e transmitia pânico e agressividade aos pacientes. Por ser pesado e ter uma estrutura desconfortável, muitas vezes chegava a machucar os pacientes.

Neste texto conseguimos ter uma ideia da dor daqueles pacientes que foram abusados e violentados. Nunca teremos a verdadeira noção da dimensão de todo este sofrimento. Deixo aqui meu profundo respeito à todas estas pessoas e toda a sua história.


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A luta antimanicomial visa os Direitos Humanos e a nossa ética como profissionais da saúde mental. Não devemos, de forma alguma, ser coniventes com nenhuma prática que desrespeite o ser humano e sua subjetividade. Dia 18 de Maio, dia nacional da luta antimanicomial.


REFERÊNCIAS


LUCHMANN, Lígia; RODRIGUES, Jefferson. O movimento antimanicomial no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.12, n.2, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232007000200016&script=sci_arttext Acesso em: 18 mai. 2020

GUIMARÃES, Andréa; BORBA, Letícia; LAROCCA, Liliana; MAFTUM, Mariluci. Tratamento em saúde mental no modelo manicomial (1960 a 2000): histórias narradas por profissionais de enfermagem. Texto & Contexto - Enfermagem, Florianópolis, v.22, n.2, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072013000200012 Acesso em: 18 mai. 2020


Patricia Santos Nascimento

Acadêmica de Psicologia da Universidade Nove de Julho.

Atualmente é membro na Liga Acadêmica de Psicanálise e Psicopatologia da Universidade Nove de Julho.


 
 
 

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