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OS HORRORES DO HOLOCAUSTO BRASILEIRO

O Hospital Colônia foi fundado em 1903 na cidade de Barbacena, Minas Gerais. O primeiro diretor da instituição se chamava Dr. Joaquim Antônio Dutra. O Hospital fazia parte de um grupo de sete instituições psiquiátricas edificadas na cidade de Barbacena. Por conta disto, a cidade ficou conhecida como “Cidade dos Loucos”.

O Hospital Colônia, apesar de ter sido criado com o intuito de curar e tratar, foi considerado como o “inferno” por muitos pacientes que foram atendidos na instituição.

De acordo com Daniela Arbex (2013), cerca de 70% dos pacientes não tinham diagnóstico de doença mental. Eram pessoas com problemas de alcoolismo, homossexuais, pessoas que perderam seus documentos, militantes políticos, negros, índios, mendigos, pobres, epiléticos, meretrizes, pessoas que protestavam contra o sistema e pessoas cujo a existência ou o saber de algo específico como um segredo ou um escândalo, por exemplo, incomodava alguém que possuía mais poder financeiro e social. Pelo menos trinta e três pacientes eram menores de idade.

Gestantes violentadas por patrões, esposas trocadas por amantes, filhas de fazendeiros cujo perderam a virgindade antes da união matrimonial e pessoas com dificuldades de interação social. Alguns pacientes eram internados por tristeza, como no caso de uma paciente internada em 1911. As pessoas chegavam de trem com uma passagem só de ida até o Hospital Colônia. Este trem era chamado de “trem doido”.


Figura 1 - Documento de mulher internada por tristeza em 1911.

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Fonte: Arquivo Público Mineiro


A VIVÊNCIA NO HOSPITAL COLÔNIA


Figura 2 - Interno bebendo água do esgoto no Hospital Colônia em Barbacena (MG)

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Fonte: MegaCurioso


Segundo Arbrex (2013), ao entrar no Hospital Colônia, sentia-se um cheiro insuportável. Os pacientes jaziam no chão esquálidos, rastejando pelo assoalho em meio ao esgoto aberto que cruzava todo o pavilhão. Eram tantas pessoas pelo chão que se tornava impossível não pisar em nenhum deles por acidente.

Os pacientes, em certas ocasiões, eram violados de várias formas diferentes: eram submetidos à duchas escocesas (banhos propiciados por máquinas de alta pressão), superlotação (o Hospital Colônia possuía capacidade para duzentas pessoas, mas chegou a possuir mais de cinco mil pacientes), lobotomia, alimentação precária (ratos e insetos), bebiam água do esgoto ou urina, dormiam sobre capim e eram acometidos pelo frio por ausência de roupas. Procurando um vestígio mínimo de calor, os pacientes faziam um círculo compacto, alternando aqueles que permaneciam do lado de fora e do lado de dentro, tudo isto pela sobrevivência. Alguns faleciam durante à noite e em média morriam dezesseis pessoas por dia. As pacientes que engravidavam tentavam proteger seus bebês passando fezes pelo corpo para evitar que fossem tocadas. Apesar disto, após o parto, estes bebês eram tomados de suas mães e doados.

Os pacientes do Hospital Colônia faleciam por frio, fome, doenças e eletrochoques. Os eletrochoques eram tão fortes que a sobrecarga derrubava a rede do município. Adultos e até mesmo mulheres gestantes eram submetidas à tortura do eletrochoque. Alguns pacientes eram utilizados como cobaias para o treinamento de novos funcionários que aplicariam o eletrochoque pela primeira vez. A maioria não sobrevivia.


O CONTRABANDO DE CORPOS E O CEMITÉRIO DA PAZ


Figura 3 - Cemitério da Paz

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Fonte: TVGC


Nem mesmo ao falecer os pacientes obtiveram a dignidade merecida. Conforme Arbrex (2013), as mortes dos pacientes geravam lucros. Entre 1969 e 1980, cerca de 1.853 corpos foram vendidos ilegalmente para cerca de dezessete faculdades do país, sem a permissão parental dos internos. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) adquiriu cerca de 543 corpos em uma década. Enquanto a UFJF foi responsável pela compra de 67 corpos entre 1970 e 1972. Na remessa de 1971, os mortos eram de pelo menos quinze cidades do Estado, como Belo Horizonte, Governador Valadares, Brasília de Minas, Leopoldina, Palmital, Raul Soares, entre outros.

Quando já não havia mais procura de corpos, os mesmos foram decompostos em ácido, no pátio do próprio Hospital Colônia, na frente de outros pacientes, para que as ossadas gerassem mais lucros. Nada se perdia, exceto a vida. Pode-se imaginar o terror destes pacientes ao saberem que ali poderia ser o seu destino final.

Os pacientes que não eram comercializados, portanto, eram enterrados no Cemitério da Paz que foi fundado juntamente com o Hospital Colônia. Os falecidos eram carregados até o cemitério em uma carrocinha. As vítimas destes crimes hediondos foram enterradas em covas rasas. Por entre as sepulturas, há preservativos usados, restos de drogas e detritos. Este é o local onde são mantidos 60 mil mortos do Hospital Colônia.


AQUELES COM A INFÂNCIA ROUBADA


Figura 4 - Silvio Savat, fotografado em 1979.

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Fonte: IG


De acordo com o livro “Holocausto Brasileiro” de Arbrex, cerca de trinta e três pacientes eram crianças. Crianças cujo a infância foi roubada, os sonhos destruídos e a dignidade tomada. No Hospital Colônia não havia excepção por idade, situação ou sexo. Assim como os adultos, as crianças também eram punidas severamente. Em muitas ocasiões, sem motivo algum. De acordo com Arbrex (2013), em 1971, Ronaldo Simões Coelho, Superintendente do Serviço de Psiquiatria da Fundação Educacional de Assistência Psiquiátrica, chegou ao Hospital de Neuropsiquiatria Infantil, localizado no munícipio de Oliveira e se assustou. Encontrou um menino que aparentava uma idade inferior à dez anos, “crucificado”, deitado no chão com o rosto queimado por conta da exposição ao calor de quase trinta graus.

Em Barbacena, a ala infantil era tão desbotada quanto as outras. Haviam berços onde crianças aleijadas ou com paralisia cerebral vegetavam. As crianças não eram retiradas de seus berços sequer para tomar banho de sol. Ao entrar no Colônia, em 1979, o jornalista Hiram Firmino ficou impressionado com a cena. Ao questionar a secretária sobre o que aconteceria com as crianças ao alcançarem a idade adulta, a resposta foi fria e direta: afirmou a mesma que os pacientes morriam.

Assim como acontecia com os adultos, cadáveres de crianças que faleciam durante à noite jaziam no chão, enrijecidos. Ninguém era poupado. O Hospital Colônia era um local onde a humanidade apenas era encontrada em suas vítimas, que procuravam auxiliar umas às outras em busca da sobrevivência.


REFERÊNCIAS


ARBREX, Daniela. Holocausto Brasileiro: vida, genocídio e 60 mil mortes no maior hospício do Brasil. 1ª ed. São Paulo: Geração Editorial, 2013.

Patricia Santos Nascimento

Acadêmica de Psicologia da Universidade Nove de Julho.

Atualmente é membro na Liga Acadêmica de Psicanálise e Psicopatologia da Universidade Nove de Julho.



 
 
 

1 comentário


diaseliane390
09 de fev. de 2022

Parabéns Patrícia!! já havia assistido o documentário, mas seu texto bem completo, traz todo sofrimento e sentimento de indignação. muito bom .

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