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HOMENS E MASCULINIDADES

O patriarcado e a diferenciação entre os sexos


Por séculos, o homem se viu preso a um sistema opressor que o configurou como dominador. E esse mesmo sistema criou mecanismo para distanciar os genes X e Y como meio de marcação da diferença entre o sexo masculino e feminino. Assim, o patriarcado engendrou no homem uma mutilação de todas as suas afetividades humanas, uma vez que este poder se desfaz daquilo que caracteriza o feminino por meio da virilidade contundente, já que


O sistema patriarcal pôs no mundo um homem mutilado, incapaz de reconciliar X e Y, suas heranças paterna e materna. A construção da masculinidade confundiu-se com um processo de diferenciação. Considera-se o homem digno deste nome quando se cortam todas as amarras com o feminino materno, ou seja, com o seu território original (BANDITER, 1993, p, 125)

Desta forma, é perceptível que o patriarcado criou meios para se desvencilhar de todas as demonstrações de afetividade que não é cabível somente a figura materna, mas também a paterna, que segundo Banditer (1993) foi substituído por uma representação fantasmagórica da figura do pai. Além disso, a falta dessa representação da figura paterna (masculina) engendra ainda mais a dificuldade dos filhos (sexo masculino) em encontrar na figura do pai a sua formação identitária.


Conforme Banditer (1993), o afastamento deste homem como figura representativa do pai e a rejeição do feminismo ao modelo de homem estabelecido pelo patriarcado, ocasionou uma mutilação no próprio homem, pois, uma vez que ele se identifica com o feminino, ignora o masculino que, posteriormente, repercute na sua bissexualidade.


Muitos homens, hoje, padecem dessa fragmentação de si. A dolorosa tomada de consciência de uma identidade amputada é propícia à reconstrução da paisagem masculina que, finalmente, considerará a dupla herança. (BANDITER, 1993, p, 126)

Vale ressaltar que a bissexualidade aqui exposta pela autora não se restringe especificamente à atração pelo sexo, mas sim na inserção de características estigmatizadas como pertencentes ao sexo masculino e ao feminino, a qual a afetividade fica encarregada somente as mães/mulheres dentro do sistema patriarcal. Essa mutilação conduz o indivíduo a viver em um estado de condenação, ora da feminidade, ora da masculinidade, pois ao decidir negar os sentimentos, reação que não é somente existente nas mulheres, o homem dá lugar a uma repressão que resultará em ódio a si mesmo e ao sexo oposto.


No sistema patriarcal, o ódio de si, de longe o mais difundido entre as mulheres, engendra naturalmente um dualismo sexual oposicional. A afirmação da diferença, uma reação à perda de identidade e à delicadeza, vai reforçar a masculinidade. Ao opor os sexos, atribuindo-lhes funções e espaços diferentes, pensa-se afastar o espectro da bissexualidade interior. Na verdade, não se está fazendo mais do que uma cisão, que deixará exposta a parte de si tornada estrangeira, ou até mesmo inimiga. (BANDITER, 1993, p, 128)

Assim, ocorre uma subversão pela negação do feminino existente no homem dentro do sistema patriarcal, gerando neles um vazio existencial que tem acarretado um ódio compulsivo contra si mesmo e o outro. Daí surge um modelo nada ideal de masculinidade, que resulta no uso excessivo da violência como meio de poder e dominação, sendo esta, uma marca de sua virilidade.

O(s) tipo(s) de homem (ens): como o sistema engendrou-os

Para o sistema patriarcal, o modelo de homem coerente se restringe àquele que tem como marco de sua construção viril a ereção do seu genital, além da total negação do seu afeto por si mesmo, bem como pela competitividade como outros homens e mulheres pela sua atuação na vida profissional. Com isso, imprimiu-se na humanidade este modelo que, por muito tempo, não era contestado até este exato momento, pois ainda que as mulheres falem sobre nós, precisamos também assumir esse lugar de fala.


Banditer (1993) em seu texto “no caminho da cura do homem doente”, traz-nos algumas concepções de homens, a qual cita primeiramente sobre a questão do homem mutilado, que não se serve do seu genital como forma de dominação. Para tanto, ser um homem mutilado não se limita somente a sua função sexual, pois segundo a autora tanto heterossexuais quanto homossexuais estão sujeitos a esta mutilação.


Desse modo, os heterossexuais estão sujeitos à mutilação da feminidade, em que toda referenciação ao feminino é apagada, dando lugar a um homem durão, sem sentimentos e autoritário. E aos homossexuais, a ausência da virilidade que extensivamente são cobradas e exigidas pelos héteros. Neste contexto, vamos criando caixinhas para que os homens se enquadrem neste ou naquele padrão.


Em seu texto, a autora também nos traz um apanhado sobre a construção do homem duro e do homem mole, uma vez que ao homem duro que se construiu com os escandinavos, os quais nomeou de homem nó, está semelhantemente relacionado ao modelo patriarcal de homem, pois são competitivos, agressivos, prisioneiros de seus desempenhos intelectuais e sexuais, entre outras características. Enquanto o homem mole era aquele que se desprendia de todos os privilégios da masculinidade, abdicando do poder de dominação oferecido pelo patriarcado, o qual hoje, denominamos de menos homem.


Assim, é perceptível que o homem sempre está exposto a uma caixa de adjetivação na qual ele deve se submeter. Daí questiono, por que criar padrões A ou B, quando na verdade, o que se busca é a convivência em harmonia entre os indivíduos? Talvez este seja um momento para refletirmos até mesmo nossa idealização de homem que somos ou que almejamos ser, justamente para não cairmos na caixa das rotulações.

E, é claro que esta percepção e questionamento das identidades masculinas, nada mais é, do que uma fragmentação deste indivíduo, que nega uma parte de si em detrimento de outras. E, se hoje podemos discutir sobre, é porque houve questionamentos dessas identidades formuladas.


Com isso, precisamos repensar esta atuação da masculinidade patriarcal que engendra a figura do homem baseada numa virilidade, que nem ele mesmo dá conta de ser em todo o tempo. Ainda, aqui, vale ressaltar que este modelo de homem patriarcal não se restringe somente ao heterossexual, visto que, na homossexualidade, existe uma busca expressiva por parceiros que são uma representação desta masculinidade, ou seja, totalmente ativos, corpos másculos, sendo este até um meio de camuflar a sua orientação sexual, bem como, um meio de diferenciação entre si.


Desta forma, vemos que o sistema patriarcal produz em todos os homens, sejam heterossexuais ou homossexuais, as suas marcas de rejeição e apagamento da feminidade e masculinidade que sempre estarão postas a prova. O que precisamos fazer para reverter isso? Será que existe uma luz no fim deste túnel patriarcal que nos aprisiona enquanto homens? O que precisamos fazer para aceitar a feminidade que constantemente relutamos para que ela não esteja visível?


Elencando o texto de Banditer (1993) com outros teóricos em busca de um caminho possível, o ponto comum entre eles, centra-se na valorização dos sentimentos, que deve ser desenvolvida deste a infância por seus pais. Esta responsabilidade não se restringe somente as mulheres, mas a nós homens também, pois se não mudarmos hoje, o amanhã será de uma mera reprodução do modelo de homem patriarcal, como afirma Bell Hooks (2019).



Garotos precisam ter a autoestima saudável. Eles precisam de amor. E políticas feministas sábias e amáveis podem proporcionar a única fundamentação para salvar a vida dos garotos. O patriarcado não vai curá-los. Se esse fosse o caso, todos eles estariam bem. (HOOKS, 2019, p, 108)


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Desta forma, este é um caminho possível, um caminho onde as crianças aprendam a amar a si próprio e ao outro sem diferenciação. Como afirma, Grün (2019, p, 173) “de nada adianta todos os métodos e novos conhecimentos [...] se não educarmos as crianças com amor. O amor é o espaço que as crianças necessitam [...], para poderem se desenvolver.”

REFERÊNCIAS

BANDITER, Elisabeth. No caminho da cura do homem doente. In: X Y: sobre a identidade masculina. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1993, p, 125-164.

GRÜN, Alselm. Amar é a única revolução: a força transformadora do amor a partir das ciências, da filosofia e da religião. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.

HOOKS, Bell: O feminismo é para todo o mundo: políticas arrebatadoras. 8 ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019


SOBRE O AUTOR:

Romario Pires de Novaes, Mestrando em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia-UFBA. Especialista em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal da Bahia-UFBA. Especialista em Ensino de Língua Portuguesa pela Universidade Cândido Mendes-UCAM. Graduado em Licenciatura Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia-UNEB. Pesquisador do Grupo de Pesquisa LINDES- Linguagens, Discurso e Sociedade.

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