DAS RESISTÊNCIAS: À PSICANÁLISE E NA CLINICA
- ADILSON MARTINS DOS ANJOS
- 12 de ago. de 2020
- 7 min de leitura
O objetivo deste ensaio é tecer alguns comentários sobre dois textos de Sigmund Freud, dois textos de 1925, a saber: “As Resistências à Psicanálise” e “A Negação”, pois ambos falam sobre um fenômeno muito importante para a psicanálise, qual seja, a resistência.
Sobre o primeiro texto “As Resistências à Psicanálise” (FREUD, 1925), Freud trata de forma muito peculiar sobre sua percepção, baseada na sua perspicácia de conseguir fazer leitura sobre os fenômenos, históricos, científicos, sociais, culturais e filosóficos que cercaram o nascimento da Psicanálise na sociedade europeia do início do século XX.
Freud, como sempre, é generoso ao dedicar as origens da psicanálise, em especial sobre a gênese dos sintomas neuróticos, a partir das descobertas de Josef Breuer (de Viena), bem como os ensinamentos do Neurologista francês Charcot, a respeito da aplicação da hipnose.
Todavia, mesmo sendo Freud oriundo da medicina, e a psicanálise ter nascido dentro do campo médico, como assinalado por ele no texto, a psicanálise teve uma acolhida particularmente ruim no meio médico.
Porém, a despeito da resistência experimentada pela nova ciência que surgia, Freud assinala que, os adversários não tiveram êxito em suprimir o movimento, e destaca o grande avanço da nova ciência em apenas 25 anos de existência ao tecer o seguinte comentário:
“Vinte e cinco anos atrás eu era o único representante da psicanálise, mas desde então ela encontrou muitos seguidores relevantes e laboriosos, tanto médicos como não médicos, que a utilizam no tratamento de doentes nervosos, como método de pesquisa psicológica e como instrumento auxiliar do trabalho científico, nos mais diversos âmbitos da vida intelectual.” (Apud, 1925, pág. 255),Freud destaca a oposição da Medicina tradicional à Psicanálise, em razão da nova ciência ter uma nova visão dos processos psíquicos que se diferenciava da forma de anamnese médica dos mesmos processos, pois, de acordo com o pai da Psicanálise, os médicos haviam sido educados na apreciação exclusiva de fatores anatômicos, físicos e químicos, e não estavam preparados para levar em conta o âmbito psíquico, daí a aversão e indiferença dos médicos à nova ciência. Assim, tratavam os sintomas da neurose histérica como imposturas, as manifestações da hipnose como fraude. (Apud, 1925, pág. 257).
Mas, Freud vai mais além e fala sobre a resistência dos filósofos sobre a psicanálise, chegando a pensar que a nova ciência encontraria em boa guarida entre os pensadores, afinal, diz Freud, eles estavam acostumados a pôr conceitos abstratos à frente de suas explicações do mundo, e dificilmente se oporiam à ampliação do âmbito da psicologia que a psicanálise propunha (Apud, 1925, pág. 257), e ainda, de acordo com Freud, também sofriam resistências de outros ramos do conhecimento.
A resistência à psicanálise encontrada na Filosofia em sua grande maioria se dava porque, os filósofos consideravam em grande parte, o psíquico como um fenômeno da consciência, ou seja, o mundo do que é consciente coincide com a esfera do psíquico.
Mas Freud, destaca uma posição intermediária entre a psicanálise, a medicina e a filosofia, ao afirmar que:
“Portanto, a psicanálise tira apenas desvantagens de sua posição intermediária entre medicina e filosofia. Os médicos a veem como um sistema especulativo, não querem acreditar que, como qualquer outra ciência natural, ela se baseia na paciente e trabalhosa elaboração de fatos do mundo das percepções; os filósofos, que a medem pelo padrão de seus próprios sistemas artificialmente edificados, acham que ela parte de premissas impossíveis e lhe reprovam o fato de seus conceitos principais – que ainda se acham em desenvolvimento – carecem de precisão e clareza.” (Apud, 1925, pág. 259)Além das resistências ditas científicas, Freud propugna a teoria de que há uma outra resistência ainda mais forte, que é a discussão trazida pela psicanálise, que diz respeito à pulsões sexuais, linha mestra da teoria psicanalítica. Freud dedica bastante espaço para essa questão no texto, pois para ele, a civilização humana repousa sobre dois pilares: um é o domínio das forças da natureza; o outro, a restrição de nossos instintos ou pulsões.
E ainda, de acordo com Freud, o que a psicanálise propõe é exatamente reduzir a repressão instintual, da mesma forma que jamais defendeu a liberação dos instintos socialmente perniciosos; pelo contrário, advertiu e recomendou melhoras. Mas, a sociedade não aceita esse tipo de discussão, preferindo que as pessoas recalquem seus instintos, impondo-lhes um alto ideal de moralidade, o que Freud definiu como sendo de difícil para o indivíduo, tal obediência. (Apud, 1925, pág. 262).
Assim, Freud teoriza que as resistências à psicanálise, mais do que apenas intelectual, tinha também um componente afetivo, pois os adultos não querem se lembrar de sua pré-história, considerando que a psicanálise pôs termo à fábula da assexualidade da infância e provou que desde o começo da vida há interesses e atividades sexuais nas crianças e mostrou as transformações que elas experimentam, daí, aponta Freud, que essa mesma sociedade teve apenas uma saída: o que a psicanálise afirmava tinha de ser falso, e essa suposta nova ciência devia ser uma urdidura de fantasias e distorções, sendo que Freud dá a esse fenômeno o nome de terceira ferida narcísica, ou seja, a psicanálise fere o amor-próprio humano, ao lado da teoria de Copérnico (o homem não ser o centro do universo), e de Darwin (do homem ser fruto da evolução). (Apud, 1925, pág. 262).
E Freud assinala ao final do texto, uma questão pessoal, como tendo contribuído para a resistência à nova ciência e de caráter xenófobo, qual seja, a sua origem judia. Freud deixa bem claro esse fato ao encerrar o seu texto, dizendo ser necessário expressar esse argumento em voz alta, o qual repetimos aqui:
“E talvez não tenha sido puro acaso que o primeiro defensor da psicanálise fosse um judeu. Para abraçá-la era preciso estar disposto a aceitar o destino do isolamento na oposição, destino esse mais familiar ao judeu que a qualquer outro.” (Apud, 1925, pág. 266). Para fazer uma ligação entre esse texto e o próximo, a saber: “A Negação”, (FREUD, 1925), mister destacar a importância da análise, como forma de entender a questão da resistência, pois, de acordo com Freud, não é fácil adquirir um juízo de independência em questões de análise sem tê-la experimentado em si mesmo ou praticado em outra pessoa, sendo que neste caso, faz-se necessário aprender a técnica psicanalítica.
Pois, se no texto antecedente, falou-se sobre as resistências externas à psicanálise, a técnica psicanalítica tem por objetivo observar exatamente o fenômeno da resistência no setting analítico, isto é, na análise, ou seja, na relação transferencial entre analisando e analista.
Como visto no texto anterior, a sociedade humana se notabilizou na repressão e recalque das pulsões sexuais, e esses pensamentos recalcados surgem na sessão analítica, mas não de forma clara, mas muitas vezes por meio de um fenômeno que Freud chama de negação, ou seja, o conteúdo reprimido de uma ideia ou imagem pode abrir caminho até a consciência, sob a condição de ser negado. Nos diz Freud:
“A negação é uma forma de tomar conhecimento do que foi reprimido, já é mesmo um levantamento da repressão, mas não, certamente, uma aceitação do reprimido. Nisso vemos como a função intelectual se separa do processo afetivo. Com ajuda da negação é anulada apenas uma consequência do processo de repressão, o fato de seu conteúdo ideativo não chegar à consciência. Daí resulta uma espécie de aceitação intelectual do reprimido, enquanto se mantém o essencial de repressão. No curso do trabalho psicanalítico, frequentemente produzimos uma variante muito importante e algo estranha dessa mesma situação. Conseguimos vencer também a negação e alcançar a plena aceitação intelectual do reprimido – mas o processo de repressão em si não é cancelado por isso. (FREUD, 1925, pág. 277). Portanto, nos diz Freud, o juízo negativo é o substituto intelectual da repressão, isto é, através do símbolo da negação, o pensamento se livra das limitações da repressão e se enriquece de conteúdos de que não pode prescindir para o seu funcionamento. (Apud, 1925, pág. 277).
Freud retoma neste texto, outros conceitos psicanalíticos que são importantes na investigação dos fenômenos psíquicos, dentre eles, o princípio de prazer, em contraponto ao princípio de realidade, a pulsão de vida (Eros), versus a pulsão de morte, bem como a própria questão da repetição, enquanto ensejadora da reprodução das representações, que vêm de percepções, de modo que a existência da representação já é uma garantia da realidade do representado, observando ainda que esta repetição nem sempre é repetida fielmente, podendo ser modificada por omissões, alterada por fusões de elementos diversos.
E não menos importante, Freud encerra o texto dizendo que harmoniza-se muito bem com essa concepção da negação o fato de que na análise não encontramos nenhum “não” vindo do inconsciente e de que o reconhecimento do inconsciente por parte do Eu se exprime numa fórmula negativa, de modo que, não há prova mais forte de que conseguir desvelar o inconsciente do que ouvir do analisando reagindo ao dizer: “Não pensei isso, ou “Nisso eu não (nunca) pensei.
Concluindo, os dois textos de Freud falam sobre dois tipos de resistências, sendo que o primeiro se refere à resistência à própria Psicanálise, donde o Pai da psicanálise aponta a oposição vinda do meio médico, onde ela surgiu, bem como da Filosofia e mesmo da sociedade, face ao componente central da nova teoria, no que se refere às questões libidinais, as quais foram firmemente recalcadas pela sociedade civilizada, visando a um bem maior, o ideal moral, além é claro do componente racista apontado por Freud, referente à sua origem judia, o que, segundo o autor, contribuiu fortemente para essa forte oposição à ciência que surgia, principalmente se considerarmos os movimentos antissemitas que surgiam naquele período e que culminaram com o avanço do Nazismo na Alemanha e Áustria, com as consequências que todos conhecemos, e do qual Freud também foi vítima, tendo que se refugiar na Inglaterra.
De outra parte, vimos que a resistência funcionando enquanto fenômeno psíquico, no âmbito da subjetividade do paciente ante o analista, pois, por meio da negação de uma ideia ou de um fato, opera-se a manifestação daquilo que foi recalcado, ou seja, de um processo consciente de negação, se desvela aquilo que estava escondido no Inconsciente, daí Freud tê-lo designado como “Isso”, a fonte da pulsões ( a fonte das pulsões é o corpo num todo), sendo o Eu, o reservatório da libido (pulsão de vida ou Eros/amor, em contraponto à pulsão de morte/Thanatos), que faz essa ligação e investimento amoroso (lieb= amor em alemão), com os objetos, as chamadas relações de objeto, sendo o Eu, o autor da resistência, aquele que provoca o recalcamento e completando o aparelho psíquico, o Supereu, o herdeiro do Complexo de Édipo, o reservatório do sentimento inconsciente de culpa, completando, assim, o aparelho psíquico, de acordo com a formulação apresentada por Freud.
Referência Bibliográfica
Freud, Sigmund, 1856-1939.
Obras Completas, volume 16: O eu e o id, “autobiografia” e outros textos (1923/1925) / Sigmund Freud; tradução Paulo Cesar de Souza – São Paulo: Companhia da Letras, 2011.
SOBRE O AUTOR:
Adilson Martins dos Anjos é estudante do curso de Psicologia na Universidade Nove de Julho, membro da LAPP- Liga Acadêmica de Psicanálise e Psicopatologia da Universidade Nove de Julho, onde atua como monitor do Grupo de Estudos intitulado “Diálogos sobre as Obras de Freud”, participante de Grupo de Estudos sobre a Clínica Psicanalítica, com ênfase nos Seminários de Lacan, (Clínica Vieira Fazenda).






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Adorei!
Bom texto!