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Breve consideração sobre o diagnostico psicopatológico

Atualizado: 29 de set. de 2020


Algumas pessoas procuram insistentemente compreender os fenômenos que acerca diante de seu sofrimento psíquico, a procura varia desde pergunta para um(a) amigo(a), ao acesso do “Dr. Google”, catalogar nos horóscopos e diversos outros mecanismos até chegar em algum profissional. Esta empreitada em busca de autoconhecimento e compreensão dos fenômenos psíquicos que o assombram, podem ter efeito oposto e o sujeito cada vez mais desconhece aquilo que o faz sofrer.


O problema que se coloca diante desta empreitada, é que, nem todos conseguem suportar algumas demandas que são evocadas no meio do caminho e em uma análise ou terapia, criando mecanismos de defesas peculiares, como resistir ao tratamento através de faltas, negando que há algum problema para si mesmo, projetando seus problemas para outrem e a lista de mecanismos de defesas podem variar depende do repertório do sujeito. Porém o que mais assombra a relação terapêutica é a identificação, pois vivemos uma sociedade de fácil acesso as (des)informações.


Segundo Dunker (2015) o sujeito passa a se identificar com sintomas estipulados em algum Transtorno do DSM, cuja ele viu em alguma mídia ou conhece através de senso comum. Ocorre então um autodiagnóstico, o sujeito passa a não expressar seu sofrimento, expressando somente aquilo que está na cartilha de sintomas em “seu” Transtorno. Porém isso não ocorre somente por auto diagnóstico, o diagnóstico dado pelo psiquiatra também pode alienar as expressões do sofrer do paciente (DUNKER, 2015).


Estamos de alguma forma sempre tentando nos diagnosticarmos ou outrem, quando aquilo foge de uma “normalidade”. Temos em nosso imaginário um repertório de transtornos mentais que utilizamos para diminuir esforço psíquico para tentarmos compreender a origem deles. O diagnóstico tornou-se fetiche em nossa sociedade, em algum momento da vida vestimos o jaleco de psiquiatra e pegamos nosso DSM (Google) para atuar de forma moral dizendo “Estou meio Bipolar hoje”, “Estou tão ansioso”, “Fulano é doido tome cuidado”, “Como você é demente”, “Para com essa paranoia”, “Está bancando o autista?”, e a lista vai aumentando. Você leitor consegue identificar quais transtorno evocou para si ou outrem? Segundo Dunker (2015) vestir-se de um diagnóstico causa um duplo efeito no sujeito, o primeiro efeito diz respeito a uma alteração do paradigma do diagnóstico psicopatológico, se antes alguns indivíduos temiam o diagnóstico pela exclusão disciplinar (internações em hospitais psiquiátricos) e sentimento de ostracismo. “agora ele parece ter se tornando um poderoso e disseminado meio de determinação e de reconhecimento, quando não de destituição da responsabilidade de um sujeito” (p.32). O segundo efeito refere-se a um senso de comunidade, uma “comunidade invisível, daqueles que já passaram por isso antes de mim e dos que irão passar por isso depois mim” (DUNKER, 2015, p.40).


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O fetiche de diagnóstica não surge à toa, no mundo contemporâneo as expressões são resumidas em emoticons, memes e as narrativas são empobrecidas em palavras encurtadas como “vc, tbm, pq, obg”, etc. tudo para otimizar o tempo. Este encurtamento das formas de linguagem parece ter atravessado a qualidade do sujeito ao expressar sua queixa, sob a qual opera (seu) diagnóstico (DUNKER, 2015).


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O diagnóstico passa a ser um mecanismo “facilitador” para expressão de seu sofrimento, muito semelhante aos modelos de comunicações que vivemos na atualidade, que tem como finalidade encurtar as expressões. Dificultando a possibilidade de lembrar e subjetivar a experiência que fora perdida pelo trauma. É somente na possibilidade de expressar e reconhecer ou desconhecer que se transforma a experiência real do sofrimento, “a experiência individual no sofrimento singular se expressa em falas únicas, de preferência em primeira pessoa” (DUNKER, 2015, p.36).

O indivíduo, em função de sua falta de adaptação interna ou externa, não consegue extravasar nem satisfazer suas necessidades e desejos adequadamente e pode encontrar na doença, e não só nas doenças físicas, como em toda e qualquer produção sintomatológica, uma forma de satisfação substitutiva que, embora bem ou mal, acabe lhe trazendo algum alívio interno, lhe traz também muitos prejuízos à sua saúde física e mental. (Del Nero, 2003 p.43)


Segundo Birman (2000) a alteração do paradigma psicopatológico centralizando em uma perspectiva biológica que provém dos avanços da psiquiatria, neurociência e psicofarmacologia, alterou o referencial terapêutico dando ênfase a “funcionamento cerebral, sendo este representado em uma linguagem bioquímica” (p.194).


Para o autor esse novo recorte trás uma alteração no manejo terapêutico sendo conduzido quase que exclusivamente pelos medicamentos, que trás no imaginário do sujeito a eficácia que será resolvido seu sofrimento. A dimensão de história e do tempo da doença se transforma em questões secundárias, o sujeito passa a não exteriorizar seu sofrimento, “temos agora novas patologias baseadas no déficit narrativo, na incapacidade de contar a história de um sofrimento, na redução do mal-estar à dor sensorial” (DUNKER, 2015, p.33)


Diante do texto exposto, como você se relaciona com aquilo que sente? Quais as dificuldades de nomear aquilo que sente? Consegue construir uma narrativa daquilo que te faz sofrer?


Referência Bibliografia


BIRMAN, Joel. (2000) Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro, 2011.


Del Nero, S. (2003). Conflitos intrapsíquicos. Vetor Editora.


DUNKER, Christian Ingo Lenz. (2014) Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. Boitempo Editorial, 2015.


Sobre o autor:

Ayrton Yuri Alves Souza é discente de psicologia pela Universidade nove de Julho. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em psicanálise, atuando principalmente nos seguintes temas: psicanálise, empatia, subjetividade, mal-estar político e alteridade. Atualmente é pesquisador orientando - Diversidade Humana e Comportamento Violento - Pesquisa e Intervenção - DivHum-PI.  Pesquisador Orientando - Iniciação cientifica - Universidade Nove de Julho: Sobre temática Identidade social de mediadores e conciliadores". Orientando - Iniciação cientifica - Universidade Nove de Julho: Sobre temática "Psicopatologia na contemporaneidade". Pesquisador do Núcleo de Filosofia Política e do Grupo de Pesquisa A Crise do Amadurecimento na Contemporaneidade, do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo /PUC-SP – LABÔ; Membro Fundador da Liga Acadêmica de Psicanálise e Psicopatologia da Universidade Nove de Julho

 
 
 

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