Antonin Artaud: Teatro, loucura e filosofia da diferença na Luta Antimanicomial
- fabianalouro1
- 22 de mai. de 2020
- 4 min de leitura
“Em todo alienado existe um gênio não compreendido, cujas ideias, brilhando na sua cabeça, apavoram as pessoas e que somente pode encontrar no delírio uma fuga às opressões que a vida lhe preparou. ” ARTAUD (1896-1948)

Antonin Artaud foi um dramaturgo francês, vanguardista, que participou ativamente de movimentos artísticos (em especial no cinema e no teatro). Criou espetáculos que apresentavam novas concepções teatrais, cuja postura dos atores causaram estranheza no público e na crítica especializada, destacando a interação com a plateia.
Deixou os palcos por força de diversas internações em asilos psiquiátricos na França, no qual foi submetido aos métodos de tratamento da época, principalmente o eletrochoque. Artaud escreveu sobre seu período asilar, deixou uma carta aos médicos chefes dos manicômios, e sua história interessou diversos psiquiatras, tais como: Ronald Laing, David Cooper, Franco Basaglia e Nise da Silveira (Brasil).
Nise da Silveira tornou-se grande admiradora da obra de Artaud, e serviu como um dos motores propulsor para aplicar as mudanças necessárias no ambiente dos hospitais psiquiátricos, contrariando outras instituições asilares, passa a ter as portas abertas, recusando o eletrochoque, a lobotomia e as doses massivas de tranquilizantes, e aderindo aos métodos não agressivos, ligados à expressão artística e a movimentos culturais.
Artaud deixa seu legado e marca presença na história da Luta Antimanicomial, deixando uma herança que ultrapassou o palco e sua genialidade artística para atingir também o discurso médico, que passa a encontrar novas maneiras de atuar com os pacientes.
O teatro, para Artaud, era um ponto de partilha e de criação de novas linguagens a partir da imanência dos gestos, expressões, mímica e som (linguagem não imitativa, mas transgressiva). Conhecido como “Teatro da Crueldade” era composto de uma combinações de signos no espaço, permitindo abrir um horizonte de novos significados não previsto, sem a intenção de representar a vida interior de seus personagens, mas sim explorar as possibilidades deste mundo das diversas linguagens possíveis a partir dos próprios estados físicos e mentais dos que o encenavam; permitiu que a partir de sua concepção, nascesse a possibilidade de articular teatro, loucura e filosofia da diferença como possibilidade para intervenções terapêuticas na área da saúde mental.
Carta aos Médicos Chefes dos manicômios (1925)
“Senhores,
As leis e os costumes vos concedem o direito de medir o espírito. Essa jurisdição soberana e temível é exercida com vossa razão. Deixai-nos rir. A credulidade dos povos civilizados, dos sábios, dos governos, adorna a psiquiatria de não sei que luzes sobrenaturais. O processo da vossa profissão já recebeu seu veredito. Não pretendemos discutir aqui o valor da vossa ciência nem a duvidosa existência das doenças mentais. Mas para cada cem supostas patogenias nas quais se desencadeia a confusão da matéria e do espírito, para cada cem classificações das quais as mais vagas ainda são as mais aproveitáveis, quantas são as tentativas nobres de chegar ao mundo cerebral onde vivem tantos dos vossos prisioneiros? Quantos, por exemplo, acham que o sonho do demente precoce, as imagens pelas quais ele é possuído, são algo mais que uma salada de palavras?
Não nos surpreendemos com vosso despreparo diante de uma tarefa para a qual só existem uns poucos predestinados. No entanto nos rebelamos contra o direito concedido a homens – limitados ou não – de sacramentar com o encarceramento perpétuo suas investigações no domínio do espírito.
E que encarceramento! Sabe-se – não se sabe o suficiente – que os hospícios, longe de serem asilos, são pavorosos cárceres onde os detentos fornecem uma mão-de-obra gratuita e cômoda, onde os suplícios são a regra, e isso é tolerado pelos senhores. O hospício de alienados, sob o manto da ciência e da justiça, é comparável à caserna, à prisão, à masmorra.
Não levantaremos aqui a questão das internações arbitrárias, para vos poupar o trabalho dos desmentidos fáceis. Afirmamos que uma grande parte dos vossos pensionistas, perfeitamente loucos segundo a definição oficial, estão, eles também, arbitrariamente internados. Não admitimos que se freie o livre desenvolvimento de um delírio, tão legítimo e lógico quanto qualquer outra sequência de ideias e atos humanos. A repressão dos atos antissociais é tão ilusória quanto inaceitável no seu fundamento. Todos os atos individuais são antissociais. Os loucos são as vítimas individuais por excelência da ditadura social; em nome dessa individualidade intrínseca ao homem, exigimos que sejam soltos esses encarcerados da sensibilidade, pois não está ao alcance das leis prender todos os homens que pensam e agem.
Sem insistir no caráter perfeitamente genial das manifestações de certos loucos, na medida da nossa capacidade de avaliá-las, afirmamos a legitimidade absoluta da sua concepção de realidade e de todos os atos que dela decorrem.
Que tudo isso seja lembrado amanhã pela manhã, na hora da visita, quando tentarem conversar sem dicionário com esses homens sobre os quais, reconheçam, os senhores só têm a superioridade da força.
Antonin Artaud
Referências:
ARTAUD, A. Escritos de Antonin Artaud. Tradução, notas e prefácio de Claudio Willer. Porto Alegre: L&PM, 1983. Disponível em: <http://redehumanizasus.net/89562-antonin-artaud-carta-aos-medicos-chefes-dos-manicomios-1925> Acessado em 21/05/2020
FRAYZE-PEREIRA, J. Nise da Silveira: imagens do inconsciente entre psicologia, arte e política. Estud. av. vol.17 no.49 São Paulo Sept./Dec. 2003. Disponível em <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0103-40142003000300012&script=sci_arttext> Acessado em 21/05/2020
IGNATOWSKI, T.S. 30 Anos Da Luta Antimanicomial: Uma Disputa Simbólica. Revice - Revista de Ciências do Estado, Belo Horizonte, v.3, n.1, p. 200-217,.jan./jul. 2018. Disponível em <https://periodicos.ufmg.br/index.php/revice/article/download/5092/3150/> Acessado em 21/05/2020
Imagem: Antonin Artaud e Eli Lotar, fotomontaem, 1929-1930. Na fotografia de Lotar vemos Roger Vitrac e Josette Lusson ao lado de Artaud (com o cachimbo na boca). Disponível em <https://www.scielo.br/img/revistas/ars/v15n29//2178-0447-ars-15-29-0216-gf01.jpg> Acessado em 22/05/2020
Sobre a Autora
Fabiana Louro
Graduando-se em Psicologia pela Universidade Nove de Julho, possui formação em Artes Cênicas no Célia Helena Centro de Artes e Educação e em Psicanálise com abordagem Junguiana pelo Instituto Luz (2015). Concluiu cursos livres em Arteterapia e Arteterapia sob o olhar da neuropsicologia (2014-2016). Estudou por mais de uma década as Culturas Xamânicas ancestrais e as tribos indígenas americanas, incluindo o estudo do efeitos das ervas de poder na psiquê. Membro fundador da LAPP - Liga de Psicanálise e Psicopatologia da Universidade Nove de Julho, pesquisadora dos temas da infância e Juventude, com ênfase ao neurodesenvolvimento infantil: Autismo, protocolos de risco e a clinica psicanalítica, participando do Ciência e Profissão de 2018. Protagonista de oficinas e grupos de estudo com os temas: Oficina do Inconsciente: Um olhar através da interpretação dos sonhos, arte e os contos de fadas; Oficina de Arte & Psicanálise: um diálogo entre expressões artísticas e a sua dinâmica com o inconsciente e Shakespeare e a Psicanalise: O Estudo dos conceitos psicanalíticos através do sujeito shakespeariano.





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Você conhece o Evandro da VG? tem um trabalho Artaud, seria interessante um diálogo com ele. abraços