A vitimização é um dos pilares do fascismo: um breve texto sobre as manifestações
- Alef Rodriguez
- 5 de jun. de 2020
- 5 min de leitura
No último domingo (31), grupos de torcedores de futebol reuniram-se no vão no Masp para realizar um ato pela democracia. Combinado através da internet, a manifestação reuniu centenas de pessoas ligadas aos principais times de futebol da capital de São Paulo, dentre elas parte das torcidas organizadas da “Gaviões da Fiel”, “Independente”, “Torcida Jovem” e do coletivo “Porcomunas”. Pessoas sem nenhuma ligação futebolística também estavam presentes.
Neste mesmo dia, porém em direção contrária ao Masp, houve uma manifestação pró governo Bolsonaro. Em número menor os apoiadores do presidente em exercício pediam intervenção militar, volta do AI-5 (Ato institucional n°5) e fechamento do STF. Cabe destacar que, apesar do clima não ser amistoso, tudo transcorreu “tranquilamente” entre os dois atos até um certo ponto.

Os problemas começaram quando apoiadores do governo, de forma proposital, dirigiam-se em direção ao Masp para tentar confrontar, mesmo que verbalmente os manifestantes. Bom, sabemos que toda ação tem sua reação. Vale ressaltar que apesar desses comportamentos, não foi esse o estopim para o início do conflito com a polícia. Em dado momento, um policial “escoltou” homens vestidos com roupas do exército por dentro do ato que ficou conhecido como “antifa”. Reitero, “toda ação tem sua reação”.
O comportamento serviu como o “validador” para o início da repressão, afinal o que a polícia e os manifestantes pró governo buscam ao atravessar um ato contrário ao seu? Qual a necessidade de passar dentro do ato, ainda mais vestido de militar? Posso citar várias formas de chegar à FIESP – local onde estava ocorrendo a manifestação dos Bolsonaristas -, sem passar pelo Masp.
As cenas passadas na televisão e a (des)informação transmitida pela internet ajudam a disseminar uma narrativa deturpada onde cria-se uma cisão pautada no “nós x eles”. De um lado “nós”, brasileiros, patriotas, antiviolência, pela família, por bons costumes e contra corrupção, do outro lado “eles”, bagunceiros, comunistas, petistas e violentos, o que apenas semeia uma ideia de violência socialmente atribuída à determinada classe social, pois afinal a classe média estava na Fiesp ou no Masp? quem está sendo pintado como violento? o torcedor organizado que em sua imensa maioria vem das classes mais pobres da sociedade ou o cidadão médio que desfila de SUV por São Paulo?

Segundo Chauí (2017, p.36) “Há no Brasil um mito poderoso: o da não violência brasileira”. A autora afirma que esse mito se ergue na ideia de que nossa história foi feita sem sangue, porém ele não leva em consideração as diversas revoltas e rebeliões que ocorreram durante o tempo. Cabe frisar que “a narração política da história feita sem sangue opera como alicerce para construção mítica da sociedade brasileira como a boa sociedade, una, indivisa, pacífica e ordeira” (Chauí, 2017, p.37). Ressalto que a violência, ao contrário do que se pensa, não é um desvio de padrão da sociedade. Ela está presente em todas as casas e relações. Deste modo, defendo que a ideia de violência socialmente atribuída (como o lado “patriótico” das manifestações pintou) não se sustenta, uma vez que todos nós, mesmo que de maneiras distintas, exercemos algum tipo de violência. Segundo Chauí (2017, p. 39) “o mito da não violência se embasa em cinco mecanismos ideológicos que afirmam e negam a existência da violência no Brasil”. Dentre eles, destaco o primeiro que foi denominado de “exclusão”:
[…] afirma-se que a nação brasileira é não violenta e que, se houver violência, esta é praticada por gente que não faz parte da nação (mesmo que tenha nascido e viva no Brasil). O mecanismo da exclusão produz a diferença entre um nós brasileiros-não-violentos e um eles não-brasileiros-violentos. “Eles” (vândalos, desordeiros, bandidos) não fazem parte do “nós”, estão excluídos da gente brasileira (Chauí, 2017, p. 39-40).
A análise da narrativa bolsonarista de “nossa manifestação foi pacífica ou não somos violentos” apenas afirma o desconhecimento acerca da violência. No mesmo ensaio – O mito da não violência Brasileira -, Chauí (2017, p. 41) expõe: “Finalmente, o último mecanismo é o da inversão do real, graças à produção de máscaras que permitem dissimular comportamentos, ideias e valores violentos como se fossem não violentos”. Pedir por ditadura é violência, defender torturador, idem, propagar o ódio também.Atentar contra a democracia, além de estar indo contra o próprio direito de manifestar-se, é no mínimo uma grande falta de tato, para não dizer outra coisa.
Professor de Filosofia na Universidade de Yale em New Haven, Jason Stanley escreveu o livro “Como funciona o Fascismo” publicado em 2018. O autor afirma que o fascismo está estruturado em dez pilares, um deles, mais especificamente o sexto, chama-se "vitimização”. Stanley aponta que na vitimização o grupo dominante acredita que é vítima da minoria. A igualdade é indesejada, ou melhor, a igualdade é o que prejudica o seu “direito” o que na realidade é um privilégio.
“No cerne do fascismo está a lealdade à tribo, à identidade étnica, à religião,à tradição ou, em uma palavra, à nação. Mas, em acentuado contraste com uma versão do nacionalismo que tem a igualdade como meta, o nacionalismo fascista é um repúdio ao ideal democrático liberal; é o nacionalismo a serviço da dominação, com o objetivo de preservar, manter ou conquistar uma posição no topo de uma hierarquia de poder e status” Stanley (2018, p.63).
Na cabeça do fascista, o homem é vítima da ascensão do feminismo, o branco é vítima das cotas raciais, ou melhor, os protestos direitistas em prol de medidas antidemocráticas são vítimas dos atos antifascistas.
A propaganda fascista normalmente apresenta hinos pungentes diante do sentimento de angústia que acompanha a perda do status dominante. Esse sentimento de perda, que é genuíno, é manipulado na política fascista,transformado em vitimização e ressentimento e explorado para justificar formas de opressão passadas, atuais ou novas (Stanley, 2018, p.64).

Recentemente o deputado do PSL/RJ, Daniel Silveira, protocolou a PL 3019/2020 que pretende classificar grupos antifascistas como terroristas:“Apresentação do Projeto de Lei n. 3019/2020, pelo Deputado Daniel Silveira (PSL/RJ),que "Altera a Lei Antiterrorismo nº 13.260, de 16 de março de 2016, a fim de tipificar os grupos “antifas” (antifascistas) como organizações terroristas".
Como apontou o professor Stanley, a perda é transformada em ressentimento e vitimização e é através delas que justificam-se formas de opressão, como por exemplo a defesa de simpatizantes do governo a repressão policial destinada apenas a um lado, ou o apoio ao dossiê feito pelo deputado Douglas Garcia (PSL/SP), onde o mesmo reuniu dados de cerca de 1000 pessoas que, segundo ele, se autodenominam “antifas”. O deputado afirma que o dossiê foi entregue a polícia para investigação. Não pretendo deforma alguma atribuir o vazamento de um suposto dossiê ao deputado, porém qual a finalidade da criação de uma lista com dados pessoais de “antifas” senão a da perseguição?Ao que tudo indica, o fascismo está institucionalizado, crime no Brasil é ser antifascista.
Referências Bibliográficas:
Chauí, M. (2017). Sobre a Violência. autêntica.
Stanley, J. (2018). Como funciona o fascismo: A política do “nós” e “eles”. L&PM.
Câmara dos deputados. (01 de Junho de 2020). Fonte: www.camara.leg.br:https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2254171
Sobre o Autor
Alef Rodrigues é Graduado em Psicologia pela Universidade Nove de Julho, atualmente trabalha no serviço especializado em abordagem social e contribui com a Liga Acadêmica de Psicanálise e Psicopatologia da Universidade Nove de Julho. CRP: 06/161711.





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